A Fundação FEAC é uma das principais instituições filantrópicas do país. Prestes a completar 60 anos, mesmo com sua atuação especificamente regional, ela possui uma visão inovadora a respeito da filantropia.
- A aproximação entre organizações sociais e investidores
- O momento atual
- O potencial das organizações nesse relacionamento
- A Fundação FEAC neste contexto de mudança
- Um novo modelo de relação entre investidor e organização social
- Como a organização deve se apresentar ao investidor?
- Sobre a atuação da Fundação FEAC
- Mais do que filantropia: um panorama sobre o fortalecimento do ecossistema de impacto
A ideia é não apenas fomentar o terceiro setor, mas apoiar o desenvolvimento de organizações sociais cada vez mais estruturadas e autônomas – e, claro, capazes de gerar cada vez mais impacto!
Como isso acontece lá dentro e como esse olhar pretende mudar a realidade das OSCs da região de Campinas (SP)?
Quem falou a respeito disso com a Ago foi o Jair Resende, superintendente da Fundação, em uma entrevista para a Camila Gino, editora-chefe da Revista AGORA.
Confira!
A aproximação entre organizações sociais e investidores
Começamos a entrevista perguntando como a aproximação entre organizações e investidores evoluiu e como essa confluência pode se tornar ainda mais harmônica no futuro.
Jair Resende: Esse é um ponto fundamental. Acredito que vivemos um momento em que o investimento social privado no Brasil está começando a aceitar esse debate do investimento pela confiança.
Primeiramente, eu entendo que a gente tem uma missão, um propósito de transformação que queremos ver. No caso dos investidores, não são eles os operadores, eles são parte de uma engrenagem. Significa que podem formar uma rede de parceiros especializados, os quais vão operar os projetos. Em grande parte, são as ONGs ou OSCs. Mas têm também os negócios de impacto.
A gente tem que ir para o modelo de equilíbrio sabendo que uma organização, mesmo tendo o recurso, precisa de vários outros parceiros para cumprir a sua missão.
O exemplo de adaptação da FEAC
Jair Resende: Na história da FEAC, durante muito tempo nós atuamos apoiando institucionalmente as organizações apenas com doações porque elas não tinham como medir a transformação que desejavam. Então isso mudou. É uma das razões para eu estar aqui, assim como outros profissionais que chegaram. Pretendemos organizar a atuação a partir da missão da FEAC e criar programas de apoio a projetos sociais que contribuem diretamente para o objetivo de cada programa.
A questão é que quando se faz isso, precisamos olhar também para as necessidades dessas organizações. Passamos, então, a atuar num processo de cocriação de projetos, uma qualificação, onde começa a existir uma série de atividades para melhoria do poder de gestão. Inclusive, temos uma parceria nessa linha com a Ago.
A gente olha também com a sensibilidade de que muitas vezes o apoiador ou investidor está focando exclusivamente na questão da causa (da criança, da mulher, do trabalho). Ele financia o projeto que atua na causa, mas não quer apoiar o custo institucional.
Um olhar integral para a organização, não apenas para um projeto
Jair Resende: Pensando nisso, a FEAC criou um modelo em que ela doa 15% do valor do projeto como apoio institucional.
A gente sabe que para a organização ser potente naquilo que é a missão dela, tem que estar saudável. Mas o que encontramos frequentemente são organizações realizando a missão com sacrifício, com uma série de problemas.
Outra coisa é você também ter modelos de apoio ao empreendedor social que está por trás de tudo. Quem faz aquilo, quem opera, precisa estar saudável. Então, sempre tem que haver um recurso para essa questão do fortalecimento institucional.
É fácil de fazer? Não, mas muitos já estão se atentando para isso. A FEAC é um deles. Nós olhamos para a necessidade da criança e da pessoa em situação de vulnerabilidade, que é a missão, mas estamos atentos para fortalecer o ecossistema de estruturas.
Os atores do desenvolvimento social precisam de suporte. Suporte de gestão, de sustentabilidade, assim por diante.
O momento atual
O cenário atual dá indicações de um aumento no nível de consciência dos agentes de transformação. A pergunta que fizemos foi a respeito disso, se os atores do ecossistema de impacto social percebem mais a necessidade de parcerias para alcançar a sustentabilidade.
Jair Resende: Sim, eles precisam dessa consciência até para que possam desenvolver com maior competência e mais habilidade a própria missão. Se essas questões da gestão e da sustentabilidade estiverem estruturadas no dia a dia, aí sim vão implementar a missão.
Aqui em Campinas, uma parceira nossa conseguiu superar vários desses desafios. Hoje você vai conversar com essa organização e ela apresenta projetos futuros. Coisas como “quero transformar isso aqui em uma residência de fisioterapia”. A pessoa está pensando lá na frente porque saiu do imediatismo para resolver os grandes desafios.
E o investidor social nesse contexto?
Jair Resende: Os investidores sociais também têm que estar disponíveis a investir nessa missão, nessa atividade-fim da organização, e dar apoio na gestão interna. Muitos deles ainda não olham para isso.
Lá atrás, a filantropia tinha muito de simplesmente doar o dinheiro. Depois, houve um momento em que o terceiro setor começou a usar as ferramentas do mundo empresarial de forma adaptada. Enchemos as organizações de ferramentas, métricas, e dissemos que o recurso tinha que ser direcionado para produzir o máximo.
Agora eu vejo que está sendo pensado em como fazer o equilíbrio entre o resultado e a confiança.
Nesse equilíbrio, acredito que tenha essa questão de entender as necessidades e as dores de quem opera. Porque quem opera tem duas características: ele conhece muito bem do assunto e ele está no território. Muitas vezes, o investidor não penetra naquele território, não conhece a região e não conhece o campo.
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O potencial das organizações nesse relacionamento
Jair também deixou sua opinião a respeito da consciência das organizações sobre o que elas podem oferecer, como a expertise e o conhecimento sobre o território.
Jair Resende: Na minha opinião, em geral, no Brasil ainda se tem muito a percorrer. As organizações se colocam nesse lugar de “eu vou executar, eu preciso fazer isso”. Enquanto os investidores permanecem em uma posição de “eu sou investidor, eu decido”.
Estamos vivendo essa mudança de pensamento no ecossistema, de que o recurso não é a única medida para essa distribuição do poder, de que na verdade há uma relação interdependente.
Temos o modelo de investimento da Fundação Ford, dessa democratização onde o recurso chega e não vai sempre para as mesmas organizações.
No Brasil existe uma grande distância, o eixo Rio-São Paulo capta uma quantidade grande de recursos, muitos também vão para a Amazônia, inclusive internacionais. Mas muitos lugares do país não recebem nada.
Essa coisa da democratização ainda acontece de forma tímida. Por outro lado, existe ao mesmo tempo um movimento de organizações que reivindicam isso e de outras que reconhecem essa necessidade e começam a influenciar os demais.
A Fundação FEAC neste contexto de mudança
Estamos em um movimento onde o velho e o novo estão interagindo no ecossistema. Onde filantropia e outros modelos de apoio são combinados e adaptados para gerar ainda mais transformação positiva. Nesse contexto, a Fundação FEAC está se atualizando e se posicionando para o fortalecimento do setor.
Jair Resende: Eu não sei que em outro momento a gente falou tanto disso no ecossistema do investimento social no Brasil.
Existe essa necessidade de entender que isso é um sistema que depende de várias peças para poder funcionar. A FEAC considera os programas e os objetivos de transformação que a gente quer. Mas tem uma preocupação prática: se essas organizações não estiverem suficientemente fortalecidas, elas não vão chegar a isso.
Sendo assim, há um investimento importante dos nossos recursos para essa questão do desenvolvimento e da qualificação das instituições, inclusive com um projeto-piloto. Se não pensarmos em estratégia para o parceiro, é o recurso que pode ser comprometido.
Porque se ele administrar bem e fizer boas gestões, o nosso 10 pode ter uma energia de 100. É uma questão de equação também.
Esse é um modelo para o qual a gente está olhando e eu acredito que está bem conectado com várias coisas que estão acontecendo no ecossistema do Brasil.
O que essas discussões devem gerar para o ecossistema social brasileiro no futuro?
Jair Resende: O principal resultado deve ser organizações mais sustentáveis do ponto de vista financeiro, técnico, organizacional e executando a sua missão-fim com mais propriedade e mais impacto. Quanto às pessoas, acredito que terão um entendimento maior do papel do todo, ou seja, que cada um faz parte desse processo, desse ecossistema. Cada um ocupa um lugar.
Além disso, vamos entender o dinheiro como um recurso importante, porém, como uma parte desse processo. Isso vai acontecer também com a conscientização dos tomadores de decisão, de saber se colocar no lugar daqueles que estão lá sobretudo para executar.
Um novo modelo de relação entre investidor e organização social
A parceria que existe entre a Fundação FEAC e a Ago no projeto Impacto Exponencial traz uma perspectiva mais duradoura de acompanhamento e ações nos projetos de fortalecimento institucional. Jair comentou a respeito disso também.
Jair Resende: Tem que haver um ciclo para que o suporte à organização aconteça. Estamos atuando assim ao lado da Ago, olhando para a organização, entendendo quais são os problemas, tentando trazer uma solução, inclusive mirando também uma dor que é muito forte nas organizações, que é essa questão da sustentabilidade financeira.
Tem uma organização daqui de Campinas que se chama Casa da Criança Paralítica. São nossos parceiros e trabalham com pessoas com deficiência física e motora. Eles chegaram a nós com um projeto, tinham recebido da prefeitura um comodato por 30 anos para explorar a área de uma praça. O sonho da organização era fazer um tipo de bazar high tech, com ponta de estoque. Falei para fazermos um piloto de sustentabilidade para ajudar.
Em novembro [2023] será a inauguração. A organização vai receber 40 mil para ajudar em uma parte das necessidades, sobretudo aquelas que ninguém quer pagar – luz, água, telefone, vigia. Apresentei, então, um desafio sobre a questão social. A proposta deles foi: um sábado por mês, chamar uma organização social da cidade para trabalhar no local, porque além da venda, vai ser um espaço para mostrar o que ela faz, e o resultado desse dia ainda é doado para essa organização.
Como a organização deve se apresentar ao investidor?
Atrair a atenção e a confiança de um investidor não é fácil. No Terceiro Setor não é diferente. Por isso, Jair Resende falou a respeito de como as organizações podem se aproximar com mais êxito na hora de buscar investimentos ou filantropia.
Jair Resende: Uma coisa que as organizações sociais fazem é pesquisar os investidores e identificar que eles atuam em determinadas causas. Mas muitas das instituições não mostram que fazem investimento por fortalecimento institucional das organizações.
Quando eu falo fortalecimento institucional é da forma mais ampla, da capacitação de gestão, formação, até estratégias de sustentabilidade financeira da organização.
Você vai ver isso no Instituto ACP, o Itaú Social também tem uma linha assim… mas grande parte não. A organização precisa se conscientizar disso.
Eu não tenho que focar somente naquela missão com que eu trabalho, com a criança. Tendo consciência disso e sabendo o que eu preciso para garantir a harmonia, a sustentabilidade e a gestão da minha organização, eu posso dialogar com o meu investidor sobre essa relação. Mostrar para ele que se não cuidar dessa parte, esse trabalho pode se perder, que o fortalecimento dos parceiros é fundamental para que a missão seja bem sucedida.
Tem o fator da confiança também, que é outra temática importante. Há grupos falando a respeito disso, como os grantmakers do GIFE, ou seja, estão se criando espaços para essas discussões. Mas eu penso que as organizações sociais executoras têm que ter esse posicionamento nesse sentido, confirmar essa insegurança também.
Sobre a atuação da Fundação FEAC
Jair Resende: Temos cerca de 130 projetos e 60 foram apoiados este ano, envolvendo cerca de 100 organizações. Contudo, estrategicamente, pensamos em ter menos projetos, que sejam maiores e mais robustos, trazendo mais organizações. Porque o custo operacional dos vários projetos são muito altos também.
Estamos aprendendo e está sendo importante passar por esse ciclo em que as organizações também experimentam e elaboram o projeto (até para desenvolver essa cultura de trabalhar por projeto). Mas o caminho é ter iniciativas, por exemplo, que englobem uma quantidade de organizações com execução.
Os primeiros eram quase todos projetos anuais, agora temos aqueles de dois, três anos. É o tempo necessário para a resolução, por exemplo, de determinado desafio. Então, pode ser que no futuro vamos financiar projetos com muito mais recursos e com um tempo maior.
Como as organizações podem ser apoiadas pela FEAC?
Jair Resende: A FEAC atua sobretudo em Campinas. Também fazemos editais internos, mas são poucos. Trabalhamos mais com busca ativa, a partir daqui, do próprio território. As organizações chegam, apresentam uma proposta e então iniciamos um processo de co-criação. Os técnicos fazem a qualificação em conjunto com a organização, e muitas vezes a gente acaba descobrindo nesse percurso que os recursos previstos por eles estavam insuficientes. O contrário também acontece muito.
Em resumo, é um modelo de processo mais focado nessa busca ativa, a partir de coisas que a gente vê no território e, a partir disso, buscamos parceiros executores daqui ou de fora, sendo OSCs ou negócios sociais para nos ajudar nesse desafio.
Mais do que filantropia: um panorama sobre o fortalecimento do ecossistema de impacto
A filantropia tem papel importante no suporte a organizações sociais, mas o que vemos na conversa com Jair Resende nos revela que, para fortalecer de fato as organizações, é importante inovar e buscar outros mecanismos que ajudem a gerar impacto exponencial e duradouro.
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